janeiro 05, 2013

Os dias que precedem

Eu tenho um ´diário de bordo´ manual que faço todo dia antes de dormir. No dia 09 novembro escrevi:
Peso: Baleia
How I feel: extremamente desesperançosa, gorda, sozinha, fracassada, inchada

Entre esse dia e a consulta foram 20 dias. Ah! Eu já queria sair do consultório com o balão, se isso fosse algo possível.
Mas enfim, decisão tomada, vamos aos atos.
Fiz logo um monte de exames de laboratório e imagem enquanto aguardava o dia da consulta com o cirurgião.
Encontrei entrevistas com ele na net e ali já diminui minha lista de perguntas.
Meu medo era ele dizer que para meu IMC (quase 40) não adiantava colocar o balão. Que seria melhor a bariátrica.

A consulta foi ótima. Médico super direto, honesto, olho no olho.
´Não adianta botar o balão e ficar no sofá´
Como eu já tinha todos os exames prontos, só faltava o aval da nutricionista para podermos marcar o dia da colocação.
Ah sim, importantíssimo. Eu precisava decidir se queria o de ar (mais caro) ou o de líquido.
O de líquido, mais comum, tinha uma adaptação inicial mais difícil. Sensação de plenitude e também de peso (600g). O de ar pesa apenas 30g. O resultado final era considerado o mesmo.
Então, botar um mais barato com reações piores ou ser mais gentil comigo e botar o mais caro?
Habitualmente eu pago pra ver, quero dizer, procuro enfrentar as piores coisas. E meu lado masoquista  achava que eu merecia sim sofrer um pouquinho....
Mas nos 45 do segundo tempo decidi pelo de ar. Resolvi me fazer esse agrado. Só Deus sabe como essa decisão foi a mais importante que tomei.....
Na consulta com o cirurgião eu já estava com 107kg. Pow, tava me dando nojo já. Nojo de mim.
No dia da nutricionista (4 dias depois) já eram 107,8kg. Nossa Senhora da obesidade mórbida!
Me dá essa balão... me dá! Me dá!

Então, dieta montada. Primeiros dias só líquido, depois papa, e alguns poucos sólidos por 30 dias.
Procedimento marcado para 10 dezembro.

As críticas principais dos amigos foram: ´Você vai fazer isso na época das festas de fim de ano? Deixa passar isso tudo e faz´
Ok..ok... eu deixo passarem as festas, com essa ansidade, com esse metabolismo extraterrestre, com essa fome de tubarão. Aí em janeiro, quando eu for colocar o bendito, já serão 120kg, nenhuma calcinha ou sutiã que sirvam. Vou pra clínica vestida numa cortina de box.

Fiquei numa ansiedade louca, contando os dias pro procedimento, me despedindo das comidas e vendo a parte prática. Foi tudo muito rápido na verdade. Quando deu o estalo da idéia, e depois a decisão, eu não quis perder um minuto sequer. Ficou pouco tempo pra me programar.
O mais urgente era quem iria ficar comigo nos primeiros dias. Meu namorado tava fora de cogitação. Trabalhando, não cozinha nada e não é o perfil dele. Minha mãe mora em outra cidade e viria correndo, voando, se eu pedisse, mas é muito estressada e nesse momento não seria bom pra ela viajar. Aliás, não contei nada pra meus pais e minha irmãs sobre isso. Preferi poupá-los dessa preocupação. Só depois que baixasse a poeira é que falaria tudo.
Pensei, pensei e no final decidi por uma cunhada que havia acabado de sair do emprego e que sabe cozinhar bem. Fundamental uma boa cozinheira pra transformar papas e sopas em algo comível. Eu odeio sopas, odeio papas. Minha boca precisa mastigar, fazer crec crec.

Exames...... ok
Nutricionista ......   ok
Pagamento....   ok
Cunhada boa de fogão..... ok
Compras de verduras e legumes (alienígenas na minha geladeira)..... ok
Dispensa no trabalho.... ok
Pagamento de R$7,5K.... ok
Segredo com meus pais.... ok
Empregada ...... Falta

Faltava agora arranjar uma empregada para trabalhar em casa já que em muitos e muitos anos só tive diarista.
Mas, o que tem a ver uma empregada com um balão? Tudo !
De que adianta botar um balão, perder peso, e depois voltar pra mesma rotina de chegar em casa tarde, cansada, e comer qualquer coisa? Detalhe: eu e o respectivo somos inimigos da culinária.


24 horas antes do procedimento iniciei dieta líquida, sendo que o  primeiro líquido a adentrar meu estômago tinha que ser uma coca-cola. Meu esposo disse hummmmmmmm. Eu disse arrrrrrrgh.  
O-D-E-I-O refrigerantes.

Era um domingo, minha amiga queria ir no shopping. Lá vamos nós. Eu no suquinho, vendo todas aquelas MILHARES de opções e tentações..
É moça.. Vai se acostumando viu?
12 horas antes do procedimento era hora de mais uma coca-cola. Oh Jesus! Não sabia que o sofrimento já começava tão cedo.
E a coca-cola foi o último alimento(?) que vi durante horas.
Daí em diante, dieta zero ou a famosa dieta da luz.

E o MEDO/PÂNICO/PAVOR de acordar de madrugada e comer?
A porta da cozinha não tem chave, então botei uma cadeira atrás da porta (por dentro) e duas cadeiras na frente. Já pensou eu comer e não poder botar o balão?
Ah sim, esqueci de dizer que há meses vinha acordando 2 a 3 vezes por noite para comer. Só que em alguns momentos eu era meio sonâmbula. Quando via já tava na frente da tv com um pacote de biscoitos, ou um pão com Nutella na mão.
Estando tudo sobre controle:
Fui dormir ansiosa, feliz e com fome.


Fotógrafo faz ensaio para exaltar beleza de mulheres obesas mórbidas

Desculpe, mas a única beleza que vejo é a coragem dessas mulheres
















janeiro 02, 2013

And the winner is...

A real é que eu sempre achei cirurgia de redução, passar zíper na boca, botar balão no estômago, ou qualquer coisa do gênero, o fim da linha. O fundo do poço.
Coisa pra acomodado que quer tudo fácil ( e que mal há nisso?) ou pra fracassados, losers.
Quando me vi cogitando, digo, considerando PRA VALER, fazer algo do tipo, me senti a mais incapaz, fracassada, derrotada das obesas.
Fazer uma cirurgia, botar um balão, é assinar um atestado de incompetência !!!

Logo eu que sempre me senti capaz de controlar a comida quando eu quisesse...sempre achei que era só a motivação que faltava.... que um belo dia tudo iria começar a mudar.
EI! Isso parece papo de quem bebe ou fuma, que se convence e tenta convencer os outros de que tem o controle.
E no final dá no mesmo.
Qual a diferença? Fumar, beber, comer.... são atos orais, repetitivos, altamente associados à ansiedade, prejudiciais à saúde física e mental.
Um dia o pulmão reclama, o figado reclama, ou o corpo todo reclama.
Obesidade parece coisa de preguiçoso, desleixado. E no fundo no fundo é o que sempre achei. Sempre concordei que sim, eu podia fazer melhor, eu podia fazer diferente, podia mudar o jogo.
Talvez amanhã.. ou depois....

Mas, se EU PODIA, porque não fiz?
Será que podia mesmo?
E me sentia desesperada. E se já for diabética? e se já tiver as coronárias entupidas?
Quem mandou ganhar peso tão rápido?

Nessas pesquisas todas vi um slideshare que mostrava os mitos da obesidade.
Obesidade é um defeito de caráter, um defeito do controle da fome e da gula.
Bingo ! Tava falando de mim!
Foi difícil aceitar que é um mito.
Foi libertador, uma maravilha aceitar que é um mito!
É uma doença gente, uma doença. A culpa não é 100% minha!
Que alívio...

Passado esse processo todo.. com análise, irritação, choro, desânimo, muita comida e alguns quilos a mais depois, decidi aceitar que a medicina tem os recursos e eu posso e mereço usá-los para combater essa doença ( e todas as outras que ela traz na bagagem ). Porque não?
Meu coração já queria o balão. O caráter não-mutilador dele me atraía. Era como uma segunda chance sem ter que arrancar um pedaço de mim, que, infantil, não era capaz de me conter ( olha o mito ainda rondando ).
Ok, era caro demais.
Ok, era temporário e o risco de ganhar tudo de novo, muito grande.
Ok, meus amigos médicos discordavam ( faz logo a bariátrica! )

Mas meu coração tinha a certeza de que eu iria ser diferente das estatísticas. Que eu iria perder peso e manter a perda após retirar o danado.
Ingenuidade? Ilusão?? Tava me enganando? Sendo condescendente?

Muitas sessões de psicanálise depois... ok ok.. tou preparada, motivada, consciente e decidida.
É você balãozinho, o escolhido do meu coração, ops, do meu estômago.
Vocês dois ficarão juntinhos por vários meses..

janeiro 01, 2013

Matchpoint

Quase 20 anos brigando com ela. Ou melhor, com eles.
Balança e espelho.
Aquela guerra fria, sabe? Uns períodos eu ganhava...em muitos outros a balança vencia e o roupa preta ia ficando sempre na minha moda.
Ela ( a balança, não a moda ) apontando com seu ponteiro cruel ( alguém ainda usa ? ) a realidade.
E o espelho? Onipresente, onisciente.
Pior ainda é o espelho que fica na memória. Mais cruel ainda. Mostra detalhes que nem o microscópio duvida.
Enfim, um carma.
Milhares de locais que deixei de ir por culpa, vergonha, não ter roupa, não saber como me comportar. A eterna fuga das fotos. O kit completo do obesity-drama
Páginas em branco de um livro que nem foi escrito.
Até aí a mesma história de 99,99% de todos os obesos ( nomezinho feio esse!)
Até que de repente:


 BUUUUUUUUMMMMMM!!!!


O metabolismo deu a louca!
Meio quilo... 1 kg... 1,5kg por semana !Nossa Senhora da Diabetes, socorro!!!
Resultado, aquela sensação de pele esticando, roupa encolhendo, mal estar, em full speed, uncontrolled!
OK OK
Pode ser stress....
Vai nessa! Como se desliga esse botão? E enquanto isso, no reino dos adipócitos........
Tireoide! Só pode ser essa safada !
Exames.. nada.... nem um colesterolzinho pra botar no paredão.
A culpa foi daquilo que todos negam: FOOD e BUNDA NO SOFÁ.
Só que agora aquela história de ´vou me organizar e fazer a bendita reeducação alimentar ´ não cola mais. É caso de urgência seu dotô!!!

Opção 1 : Parar de comer.
Beleza. Vai dar certo, assim como deu para todos que já tentaram e engordaram o dobro depois.

Opção 2 : Ir na nutricionista, matricular na academia, mudar os hábitos, bla´blá blá.
ACORDA CRIATURA!
Você teve 20 anos pra fazer isso, em ganho de peso lento (ladeira acima como um trio de axé), e não fez!! Agora que tá subindo em X-Games mode você acha que vai funcionar? hahahaha Entra no mesmo SPA do Papai Noel que ele te dá forças.

Opção 3: Assumir (se conformar) e ser um gordinha feliz....
Preciso comentar essa opção miserável?
Aliás, vou comentar. Acredito sim que existem pessoas obesas e felizes. Quero dizer, felizes EM SEREM OBESAS. Não duvido de nada mais nessa vida.

Opção 4: Fazer a cirurgia bariátrica (que agora é moda. Soube até que tem menina de 14 anos engordando pra ganhar a cirurgia aos 15!)
Ai, mutilação, cirurgia, centro cirúrgico, riscos, pós-operatório, suplemento o resto da vida... Não era algo que eu queria cogitar.
Aliás, já havia cogitado, porém para um futuro beeeem distante (anos-luz, de preferência).
Sei que é uma cirurgia cada vez mais segura, etc e tal. Mas, tava guardadinha como última opção. Caso de vida ou morte mesmo.
E ganhar 10kg em 3 meses, ficar diabética, hipertensa, não ter mais calcinhas pra vestir não se enquadra em risco de vida?!!
Quase..quase...
Até porque, só a parte das calcinhas é verdade.

E, eis que surge, lá no fundo da memória, a lembrança de um tal balão que botavam na barriga da pessoa e ela não tinha fome. Onde foi mesmo que vi isso? Como a gente guarda coisa nessa cabeça hein?
Vamos lá Dr. Gugol. Balão...balão...hummmm.. parece bom... só um detalhezinho aqui bobo sobre 60 a 80% de insucesso..
Vários amigos médicos depois, o veredicto: Fazer a bariátrica logo é mais fácil. E outra, o plano cobre.

( ricocheteando no meu cérebro)
Balão, é caro. Bariátrica, sai mais em conta.
Balão, ganha o peso de novo em muitos casos. Bariátrica, também ganha, só que em menor porcentagem de gente.
Balão, faz com sedação, meia hora, não leva ponto. Bariátrica, anestesia geral, UTI, pós-operatório chato.
Balão, volta logo pra vida normal. Bariátrica, tem um tempo de molho maior.
Balão, perde em média 13kg. Bariátrica, perde mais.
Balão, é reversível. Bariátrica, não